Só o rock salva
-Resenha João Rock 2019-
O evento.
O JoãoRock já é um mocinho, com 18 anos de vida e edição de 2019 chegou para destruir os pilares da nossa sanidade de maneira primordial e prestar um serviço à comunidade artística
brasileira sendo o maior festival de música nacional realizado em nosso país. Cerca
de 70 mil pessoas acompanharam em 3 palcos as atrações do evento, que
conduziram os expectadores a um misto de emoção e racionalidade sem
precedentes.
Os organizadores mostraram que ouvem os
participantes do evento e corrigiu erros de edições passadas, o JoãoRock 2019
superou em muito as edições anteriores no que diz respeito a organização. A experiência começou muito antes do evento, com a chegada das pulseiras,
cadastros e recargas on-line, o que evitou as filas, que além de chatas, faziam
a galera presente perder shows. Os banheiros também melhoraram bastante. No
site neste momento podemos contar com um serviço de achados e perdidos.
Além disso tudo, artisticamente o evento é
perfeito, somados ao palco principal, tivemos o Palco Brasil e o Palco
Fortalecendo a Cena, dispostos de maneira perfeita pelo recinto, a
movimentação, vezes tumultuada, vezes tranquila entre eles, criou um balé de
personagens estilizados de maneira única e muito peculiar, como deixar de
observar o equilíbrio de estilos de todos os presentes, a necessidade do
despojo e do destaque criaram um ambiente harmoniosamente dissonante.
As atrações
A programação do JoãoRock provoca os expectadores de maneira poderosa, em alguns momentos temos que fazer escolhas proporcionalmente dolorosas e revigorantes. Já diz a canção: "cada escolha, uma renúncia", por isso meu olhar concentra-se no vi, senti e vivi.
O dia começou com muito sol e Plebe Rude, que
está prestes a lançar um novo trabalho audacioso, a banda acelerou o ritmo do
rock logo no início dos trabalhos no Palco Brasil, com muita personalidade, a banda já deixou claro que faria jus a origem brasilense e não ia deixar o cenário político em paz logo na abertura da apresentação. Não havia como ficar inerte
ao ritmo, carisma e letras do grupo.
Djonga conduziu o Palco Fortalecendo a Cena a
um outro patamar, com consciência crítica apurada sobre racismo, sociedade e um
ritmo alucinante, que lembrava muito os rappers americanos, e um som muito bem
feito. Este palco neste momento estava com um grande número de pessoas
acompanhando a apresentação, mostrando a força que o Rap e o Hip Hop vem
ganhando no Brasil, mesmo o Palco João Rock contando com maior número de
plateia, foi esse ritmo que encerrou o evento na madrugada do domingo.
Já no palco João Rock acompanhamos a
apresentação de Zeca Baleiro, ícone da MPB, uma personalidade singular, o
artista nos conduziu durante o pôr do sol e o surgimento de uma lua cheia
perfeita sobre nós, seus sucessos e releituras de sucessos da nossa música nos
embalaram para a noite que seguiria.
Momento da primeira decisão difícil, ao
deixar o palco João Rock, virando as costas para o imenso astro Alceu Valença,
para acompanhar Dado Vila-Lobos e Marcelo Bonfá tocando Legião Urbana em
comemoração aos 30 anos do lançamento do álbum “Dois”. O cantor e ator André
Frastechi assumiu com maestria o vocal do grupo, sua presença de palco e voz transformaram
a noite de sábado em algo memorável e emocionante, é importante ressaltarmos
algo aqui: estamos falando de Legião Urbana, senão o maior, um dos maiores
patrimônios do rock e da música nacional, não houve como conter a emoção e as
lágrimas, Dado e até mesmo Marcelo fazem suas participações frente ao público,
essenciais, eram o sangue que corriam em nossas veias naquele momento. Que
show!
André finalizou com a sentença: Só o Rock
Salva!
A volta ao palco João Rock foi cheio de
expectativas, aquele chão não era mais um espaço qualquer, era um território
ocupado por pessoas que buscavam não apenas um som bacana com um ritmo
envolvente, mas sim, transcender a um novo patamar de compreensão da realidade
por meio da arte, era visível no semblante de todos uma busca.
Em minutos Paralamas do Sucesso estavam no
palco, não há como olhar para Hebert Vianna e não se motivar, nem desejar
acolher aquele homem, a voz que foge do padrão, e a musicalidade (do power trio
e da banda) são estonteantes. A habilidade do Barone é proporcional ao talento
e timidez do Bi, sem contar o fato que nos faz sentir mais humanos o sorriso do
baixista, toda vez que vem a frente do palco. Dos artistas mais incríveis e
humildes, Hebert comentava que talvez nem todos conhecessem a canção que
seguiria e mandava um super sucesso da banda.
CPM 22 simplesmente quebrou tudo. Que som! Que
ritmo! Não houve como não se envolver com letras e ritmos tão marcantes do
grupo. Incansáveis levaram a galera a consumir o som produzido no palco, tornando-nos um com a magia invisível do Rock. Fernando Badauí, vocalista do CPM 22,
promoveu dois pontos de reflexão muito importantes: a canção que fez para o
pai, e que dá nome a turnê da banda, emocionado, Badauí contagiou a todos os
presentes; um comentário importante feito por ele sobre o evento “O João
Rock não convida quem está na moda e sim quem tem história dentro da música”. Sem
mais, amigos, que show...
A rainha toma seu trono no Rock nacional:
Pitty. Não há como não desejar tatuá-la em nossas almas, uma mulher que
transcendeu sua presença na música e nos palcos, Pitty eleva o movimento
musical a um patamar totalmente diferenciado, baiana e rockeira veio quebrar
todos os paradigmas que conduzem o ritmo a um ostracismo musical e social. Com a
turnê do novo álbum Matrix, a cantora e compositora revela que seu talento é
infinito assim como o próprio conceito de música. Pitty envolve todos os
sentidos do público, a maneira como ela se mexe no palco nos faz imaginar que o
paraíso só pode ser algo parecido com sua presença. Uma mulher no sentido nato
da palavra, seu protesto a favor das mulheres e da comunidade africana também são
presenças importantes em sua apresentação, as letras com um cunho filosófico e
empoderador conduz a reflexões inéditas para a maioria. BaianaSystem, Rael,
Lazzo Matumbi, Larissa Luz e Pitty no palco, que momento da música brasileira. No
mais, a experiência de poder olhar nos olhos dessa serpente de 7 vidas nos fez
evoluir.
“O chicote em minhas mãos
O chicote em minhas costas
Rasgando rios, o vergalhão
Via-crucis autoimposta”
Marcelo D2 não perdoa. A todo momento pedia
para que se acendesse as luzes e encarava a galera num misto de provocação e admiração
pelo público ali presente, os ideias de resistência iniciados na apresentação
anterior, ganharam corpo e revelações na sua apresentação. O alimento recém
comprado esfriou em minhas mãos, não havia como desviar os olhos da
apresentação, a batida perfeita mistura um swing e protesto de maneira que faz questionarmos
tudo ao nosso redor e dentro de nós também, é o tipo de som que incomoda
acomodados.
Enquanto Digão pedia sua namorada em
casamento no palco Brasil, momento singular do Rock nacional, vamos fechar a
noite e abrir a vida.
Emicida e Rael iniciaram a última apresentação do palco
João Rock, som pesado demais, a população brasileira representada no palco, uma
aula sobre nossa realidade, ali escancarada no fato de que o Hip Hop é foda. A apresentação
ainda contou com a presença de Pitty. O ponto alto da noite, que parecia não
poder mais se elevar, foi a entrada de Mano Brown ao palco, o Pai do RAP
brasileiro não cansa de nos revelar a verdade sobre nossa nação, não há como não
respeitar e admirar sua presença. Djonga e Rincon Sapiência juntaram-se a cena
para conduzir o fim de 12 horas de música, os conceitos de resistência cultural
no palco, desde a apresentação da Pitty até esse momento, fizeram o sistema
tremer.
No mais...
No mais, há alguns pontos que devem ser ressaltados,
o amor e a política são pilares do rock e música consciente no nosso país, e
fomos isso que presenciamos no João Rock, muito amor e parceria; não houve uma
única apresentação onde o Presidente do país não foi convidado a tomar no c*,
retrato de um política que se mantém estagnada em velhos pilares e o estado de exceção
que se estabeleceu em nosso país.
Ao final o desejo era de permanecer ali,
levar um pouco daquela terra, como se fosse um lugar sagrado, mas não, não é
esse o intento, mas sim o do levante, todos os artistas presentes em todos os
palcos nos convidaram a amar, a resistir e a ter consciência.
Bora lá então...
segue lá
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