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terça-feira, dezembro 22, 2015

Um conto de Natal [2015]

O ventre de José

Abriu seus olhos de súbito. A respiração de Maria o acordara. Não tinha coragem de olhar na direção de sua companheira. Ainda estava olhando para a marquise que os cobria timidamente quando ouviu algo. Outra respiração. Outras. Os cachorros. Assistindo. Ela precisava dele. Coragem José. É hoje.

Ainda era madrugada e ele havia previsto um dia tranquilo para os dois depois de semanas tão luminosas e barulhentas. Primeiro segurou a mão de sua linda Maria e disse que estava com ela, ela lhe sorriu, mas gemia... levemente...  e suava em bicas. Seus lábios esbranquiçados destoavam de sua pele negra.

Colocou-a em seu carrinho de coletar papelão e começou a levá-la para um hospital, as rodas de motocicleta, que sua Maria lhe dera de presente surpresa, sustentavam muitos quilos todos os dias, dos lados via-se claramente triângulos de sinalização pendurados, na traseira uma placa com o dizer “Deus é fiel” e na frente José. Puxando. Abria o caminho na madrugada quente e seca de dezembro.

Avistou um orelhão, mas quem o atenderia; quem ouviria sua voz e sua súplica? Seus braços tremiam e suas pernas fraquejavam, as quatro moringas, penduradas por barbantes, na grande alça quadrada de aço do seu carrinho estavam vazias, lógico, afinal, água era um luxo do qual eles disporiam apenas depois de uma longa jornada que não se realizará mais.

O céu torna-se rapidamente num lindo azul, bem claro. Os pássaros se agitam nas árvores, criando uma bela chuva de flores amarelas e pequenas, ele sente a maciez que o tapete cria ao passar com o carrinho. Força. Rápido.

Um grito. Os cachorros uivam. Dois gritos. Não podia continuar a puxar o carrinho de costas para o ocorrido no interior daquela manjedoura tão singular. Parou. Entrou também e deitado ao seu lado a abraçou. Pode sentir o cravar das unhas de Maria em seu peito e um silencioso deslizar de suas mãos seguido de quase um desmaio.

Levantou-se e viu uma pequena criatura sendo lambida freneticamente pelos cachorros, tirou-os com cuidado e pegou a criança em seus braços. Maria os olhava, transpassada a alma por uma espada de dor e fome e antes que ela desmaiasse, José lhe disse:

__ É um menino...

Sorrisos.
 Latidos.

      Um carrinho de reciclagem chega à porta do hospital.